2008-01-28

O tremoço, este nosso amigo

Há poucas semanas andavamos em arrumações e descobrimos um saco de tremoços esquecido numa prateleira, já com 3 anos e que ainda por cima esteve em tempos numa arca frigorífica para os defender do bicho. Tudo indicava que teriam perdido a sua capacidade germinativa e por isso fizemos um teste e embrulhámos alguns em algodão molhado como fazíamos na escola. Passados 3 dias tinham este belo aspecto e por isso resolvemos lançá-los à terra para obtermos alguma produção.
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Dissemos lançar à terra e não semear, porque na verdade o tremoço não gosta de ser enterrado. Se o fizermos, ele torna à superfície, teimosamente, devido à sua maneira de ser que exige ser ele a escolher a forma de se agarrar à terra. Por isso a primeira fase foi esta:
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Como se seguiram dias de chuva persistente, num instante os tremoços perderam a sua secura, incharam e escolheram a melhor forma para se segurarem à terra
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Poucos dias depois já estavam mais crescidos e incomodados com o chapéu protector ...
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... e num instante começaram a livrar-se deles mostrando com alguma cautela a plantinha que vinha a emergir.

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Agora vamos ter que esperar uns meses para criarem vagem e depois o amadurecimento da semente para ser colhida, malhada, escolhida e ensacada.
O tremoço pertence à família Fabaceae e à espécie Lupinus
O seu nome teve origem na palavra árabe al-turmus. Na vizinha Espanha é conhecido por altramuz, tramúz, entremozo e chocho.
As primeiras referências a esta planta surgem no Egipto há cerca de 3.000 anos.
O tremoço é utilizado na alimentação humana e na dos animais, no enriquecimento dos solos, na indústria farmacêutica e na fitoremediação
Sempre pensámos que os tremoços eram péssimos para a saúde devido aos resquícios na memória de uma lenda repetidamente ouvida nos nossos tempos de criança em que teriam sido amaldiçoados pela Nossa Senhora.
Fugia a Sagrada Família no seu burrico quando, ao passarem por um campo de tremoceiros já maduros, estes chocalharam ao serem pisados e empurrados pelas patas do animal, denunciando o local de fuga aos seus perseguidores. A santa não lhes perdoou a fraqueza e lançou uma maldição que consistia em nunca matarem a fome a quem os comesse, o que se tornou num bem para as cervejarias e tascas que sabedoras desse castigo continuam a servir pires com tremoços que não matam a fome a ninguém e bem salgadinhos ainda têm a virtude de provocar mais sede e assim aumentarem o consumo das bebidas.
Algumas pessoas não sabem que os tremoços que comemos, foram primeiramente cozidos e depois cobertos de água mudada com frequência por diversos dias até perderem o seu amargo original. Se não houver este procedimento, são completamente intragáveis e altamente tóxicos.
Esse amargor é devido à presença de vários alcalóides como a anagirina (usada como cardiotónica e teratogénica), a esparteína (usado como ocitócico e antiarrítmico) a lupanina, (influenciando os centros respiratórios e vasomotores), a luteona e a wighteona. A intoxicação identifica-se por náuseas, vómitos, tonturas, dores abdominais, mucosas secas, hipotensão, retenção urinária, taquicardia.
Esta toxicidade desaparece após a fervura e o demolhar por vários dias, tornando o tremoço doce e um alimento de eleição beneficiando as pessoas e animais que se alimentem dele.
O tremoço é um excelente adubo em verde quando enterrado nas terras porque tem a faculdade de fixar o nitrogénio do ar, absolutamente necessário para o crescimento de novas plantas o que o torna também responsável pelo aparecimento de novos ecossistemas. As suas raízes conseguem descompactar e reduzir a erosão dos solos, ajudando à infiltração de água. Óptimo para melhorar a estrutura física dos solos. Resistente às geadas, gosta de Invernos húmidos e Verões secos
O tremoço é uma leguminosa tal como o feijão, a fava, o chícharo, o grão de bico, a ervilha, a lentilha, as giestas, os tojos, as olaias, etc
Tem o dobro das proteínas do que a maioria de outras leguminosas. É rico em ferro, fósforo, vitamina E, vitaminas do complexo B, biotina e ácido pantoténico
Estudos feitos na União Europeia, comprovam a sua acção no controlo dos níveis de açúcar no sangue, na redução do apetite, na diminuição da quantidade de colesterol no sangue, nos efeitos sobre a obstipação intestinal e por último ajudando a evitar o aumento da obesidade.
Costumam também ser referidas as suas propriedades emolientes, diuréticas e cicatrizantes, o combate a parasitas intestinais e também o seu estímulo na renovação das células favorecendo a regeneração da pele.
Em França existe um produto comercializado para o fortalecimento capilar utilizando peptídeos, vitaminas e oligoelementos retirados ao tremoceiro.
Há uma série de tratamentos caseiros que aconselham a ingestão de um ou mais tremoços amargos com a água de demolhar (ambos tóxicos) todas as manhãs em jejum para baixar o colesterol, os valores glicémicos ou as dores artríticas, mas nem nos arriscamos a divulgar aqui por ignorarmos o seu impacto nos organismos de cada um.
Depois de várias pesquisas, não conseguimos encontrar muitas receitas utilizando os tremoços. Apenas um rizotto que passamos para aqui:
Derreta manteiga e junte cebola e bacon, até ficarem fritos sem queimar. Junte depois os tremoços, o arroz e refogue bem. Acrescente um pouco de vinho e deixe evaporar. Deite um cubo de caldo de carne e a água suficiente para cozinhar o arroz. Quando estiver cozido, junte um pouco de nata e queijo ralado. Deixe arrefecer um pouco e acrescente um ovo apenas desmanchado.
E uma outra de bolinhos utilizando farinha de tremoço que desconhecemos se é comercializada em Portugal:
Misture muito bem 50 gr de açúcar com 90 gr de manteiga. Junte 100 gr de farinha de tremoço e 50 gr de amêndoas bem trituradas. Mexa energicamente até formar uma pasta homogénea. Faça pequenas bolinhas e coloque em tabuleiro untado. Leve ao forno por 20 a 30 minutos
Também vimos sugestões para introduzir tremoços nas saladas de alface, tomate, agrião ou misturados nas verduras que acompanham o bacalhau, o salmão fumado, com alguns cozidos de carne ou a acompanhar pratos de queijo.
Não queríamos finalizar este texto sem nos referirmos ao grupo de investigadores pertencente ao departamento de Botânica e Engenharia Biológica do Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa que conseguiu criar um fungicida natural de toxicidade nula a partir de uma proteína do tremoço germinado, designada de BLAD (Banda de Lupinus Alpus Doce).
O produto denominado Problad além de uma forte actividade fungicida tem um poderoso efeito bioestimulante sobre as plantas. Pode ser utilizado na vinha, nos relvados desportivos, nas culturas de estufa propícias à proliferação de fungos, na agricultura biológica em geral.
Como pode ser ingerido pelo homem, evita o cumprimento do intervalo de segurança exigido por lei no uso de pesticidas químicos. É um produto completamente inovador a nível internacional e está a ser objecto de homologação nos Estados Unidos e na União Europeia, esperando-se que ainda este ano comece a ser lançado no mercado mundial.

2008-01-09

Ainda sobre os ouriços-cacheiros

Como ficámos muito intrigados com a morte inesperada do simpático ouriço (e também com a de um seu irmão que apareceu após termos recolhido este, não tendo direito a fotos por ser muito mais tímido), escrevemos a Rui Borralho da Naturlink pedindo informação sobre estes animais e explicando o que tinha acontecido, comparando esta situação com uma outra em que conseguimos criar 3 ouricitos encontrados junto da mãe morta, que se deram bem em cativeiro, alimentados com leite, frutas e ovos crus, sendo mais tarde devolvidos à liberdade.
Publicamos aqui o mail de resposta, devidamente autorizado, esperando assim ajudar todos os amigos que se deparem com estes animais em situação de perigo:

“Os ouriços-cacheiros são das poucas espécies de mamíferos que podem hibernar em Portugal no Inverno (sobretudo nas zonas mais frias de clima continental), mantendo-se muitas vezes num estado letárgico de quase total inactividade e muito baixa temperatura corporal. Se, por alguma razão, são forçados a sair desse estado (por exemplo devido a uma perturbação exterior), podem tardar horas até recuperar a temperatura corporal normal e voltar a assumir um comportamento mais activo próximo do habitual, constituindo esta mudança um choque para os animais. Tal eventualmente poderá ter estado na origem do comportamento do animal mais pachorrento.

Por outro lado, tratam-se de mamíferos da ordem Insectivora, alimentando-se em liberdade sobretudo de invertebrados (apesar de terem por vezes uma alimentação inesperadamente variada), pelo que talvez a ração dos cães contivesse alguma componente que não se adequasse ao processo digestivo dos ouriços.

Os casos de recolha de ouriços e da sua morte depois de passarem algum tempo em cativeiro são relativamente comuns, creio que devido sobretudo ao stress da captura e cativeiro e a alimentação inadequada, pelo que recomendamos que quando as pessoas encontram ouriços, mesmo que pequenos, não os levem para casa, limitando-se a afastar alguma eventual ameaça (como a presença de um cão), ainda que a situação anterior que refere dos ouriços encontrados junto da mãe morta requeresse realmente a sua alimentação em cativeiro caso contrário os animais provavelmente morreriam.

Se desejar, poderá aceder a uma ficha com informação sobre a espécie através do seguinte link:
http://www.naturlink.pt/canais/Artigo.asp?iArtigo=4315

Curiosidade: Um ouriço-cacheiro hibernado apenas respira uma vez de seis em seis minutos, em vez das mais de trinta vezes por minuto que normalmente respira durante o período de actividade.